No aparente tranquilo cenário do município de Simões Filho,lobo888 login - na Bahia, a comunidade do Quilombo Pitanga dos Palmares foi abalada por um ato de violência atroz e covarde. Dona Bernadete Pacífico, Mãe Bernadete, ialorixá do Quilombo e incansável liderança na luta contra fazendeiros e empresas pela regularização fundiária e autogestão do território, foi vítima de um assassinato cruel. Sua vida foi dedicada à defesa dos direitos dos povos tradicionais e à luta por justiça. Defensora dos direitos humanos internacionalmente reconhecida, coordenadora da CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos e ex-secretária da Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho, Mãe Bernadete era mais do que uma líder, era a voz da resistência da comunidade de Pitanga dos Palmares.
Sua determinação em enfrentar poderosos interesses econômicos, que há anos tentavam usurpar as terras da comunidade, a transformou em uma figura emblemática da resistência. Ela compreendia que a luta pelo direito à vida não se limitava apenas à garantia física dos indivíduos, mas também ao direito de viver em harmonia com sua terra, cultura e história. Sua luta pela regularização fundiária e gestão autônoma do território ia além da esfera local. Ela inspirou outros grupos em situações semelhantes a defenderem seus direitos perante a exploração predatória e a degradação ambiental. Dona Bernadete entendia que a terra era uma extensão da identidade da comunidade e que sua proteção era essencial para a sobrevivência de suas tradições e modo de vida.
Dois dias antes do brutal assassinato da líder quilombola, o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stedile, prestou depoimento por mais de seis horas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o MST, na Câmara dos Deputados. A CPI foi instaurada por requerimento de deputados da extrema direita, claramente com o objetivo de criminalizar o Movimento. Em diversas ocasiões durante a CPI e sobretudo, durante todo o depoimento de Stedile, a tentativa de criminalização ficou evidenciada pelas manifestações dos deputados de oposição, tendo o relator afirmado que, “em relação ao MST, à Frente Nacional de Luta, à Via Campesina e qualquer outro movimento de invasão de propriedade, o que nós queremos estabelecer é que existe uma lei no Brasil que protege a propriedade privada. Todas as ações que são criminosas e de desrespeito à propriedade privada devem ser indicadas e investigadas por essa CPI, seja do MST ou de qualquer outro grupo”.
A tentativa de criminalização institucional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) visa minar a força política e a capacidade de luta de um dos maiores e mais importantes movimentos populares e sociais do Brasil, obstando os processos democráticos e influenciando negativamente a opinião pública. Os discursos extremados, recheados de concepções distorcidas da realidade brasileira, da defesa abjeta de interesses que atentam contra a democracia, contra os valores constitucionais e contra a justa distribuição de terras e riquezas, deixam evidente a desesperada tentativa de inviabilizar o movimento de construção de uma sociedade plural, igualitária e solidária.
O MST tem desempenhado um papel fundamental na história social e política do Brasil, uma resposta à concentração de terras, realidade que historicamente contribui para a desigualdade social e econômica no país. Desde sua fundação, em 1984, o MST tem sido uma voz ativa na luta pela reforma agrária, distribuição de recursos produtivos, justiça social e direitos dos trabalhadores rurais. Sua importância transcende as fronteiras agrícolas, impactando áreas como a política, a economia e a conscientização pública por meio da educação popular, fortalecendo a capacidade dos trabalhadores rurais de se engajarem ativamente na sociedade.
A violência real de que são vítimas muitas e muitos líderes populares, defensoras e defensores dos direitos humanos e a tentativa de criminalização institucional dos movimentos sociais no Brasil, têm em comum questões complexas e enraizadas em dinâmicas sociais, econômicas e políticas do país. Uma sociedade estruturalmente desigual, patriarcal, racista, misógina e preconceituosa, em que os poderes constituídos, inclusive o Poder Judiciário, são instrumentalizados na defesa dos privilégios de uma casta branca e detentora da riqueza. E quando os caminhos institucionais não são suficientes à manutenção dos privilégios, a violência e a morte daqueles que lutam por uma sociedade mais justa assumem o infame protagonismo.
A violência que resultou na morte de dona Bernadete Pacífico e a iníqua tentativa de criminalização institucional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pela CPI da Câmara dos Deputados alertam para os grandes desafios enfrentados pela sociedade brasileira, pelos movimentos sociais e populares, pelos povos tradicionais e pelas comunidades rurais na busca por justiça e igualdade.
É fundamental que a memória e o legado de Dona Bernadete Pacífico não sejam esquecidos. Sua dedicação à causa deve continuar a inspirar a comunidade de Pitanga dos Palmares e outros movimentos a manterem a chama da luta acesa. A batalha pela regularização fundiária e a gestão autônoma do território não deve ser interrompida, mas sim intensificada em honra à sua memória.
As autoridades competentes devem realizar uma investigação rigorosa para trazer os responsáveis pelo assassinato de Dona Bernadete à Justiça. Além disso, é essencial que medidas de proteção sejam implementadas para garantir a segurança das lideranças comunitárias que continuam a lutar pelos direitos fundamentais de suas comunidades. Quantas Bernadetes, Marielles, Dons e Brunos precisam morrer?
Dona Bernadete Pacífico deixa um legado de coragem, determinação e resistência. Sua vida é um testemunho da luta por justiça e igualdade e deve inspirar esperança e solidariedade. A comunidade de Pitanga dos Palmares e todos aqueles que lutam por justiça social devem se unir em sua memória e seguir adiante na busca por um mundo mais justo e sustentável.
É fundamental que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra continue sua luta pela reforma agrária, pela promoção e defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores rurais, pela educação e conscientização política, popular e emancipadora de todas e todos que vivem no campo.
Dona Bernadete Pacífico presente!
Em apoio ao MST! Lutar pela terra é um direito!
* Ana Paula Alvarenga Martins é juíza do Trabalho do TRT 15, mestranda em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp.
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas
Relacionadas
Parlamentares vítimas de ataques lesbofóbicos se organizam contra ameaças coordenadas de 'estupro corretivo'
'Tirou parte da nossa história', diz líder quilombola sobre morte de Mãe Bernadete
Marina do MST organiza ato contra violência política de gênero após ataques em Nova Friburgo
‘Assumo minha responsabilidade enquanto ministro de Estado', diz Silvio Almeida sobre morte de líder quilombola
Outras notícias
Não há garantia de direitos humanos sem a proteção e o cuidado aos defensores
Nós, mulheres, estamos vivendo um relacionamento abusivo com o Estado brasileiro
Artigo | Pela liberdade de imprensa e pela verdade dizemos: Assange Livre já!